domingo, 1 de maio de 2016

Sobre a diminuição da maioridade penal.

Sempre que a sociedade brasileira se depara com algum caso de violência com grande repercussão na mídia, tendo este como atores menores de dezoito anos vêm à tona a velha discussão sobre a necessidade de revisão da maioridade penal.
Não é forçoso admitir que aquilo que motiva a discussão seja algo análogo ao sentimento de vingança bastante arraigado na própria condição de ser humano e, assim sendo, observamos que a energia despendida pelos atores sociais não busca uma solução para o problema da violência como um todo.
Entretanto, esse dispêndio de energia é inócuo, seja pelo viés jurídico, já que a questão da maioridade penal trata-se de uma cláusula pétrea imutável, portanto, por lei ou mesmo por emenda constitucional; seja pela questão da diminuição da violência, vez que o nosso sistema carcerário nem de longe é hábil a ressocializar um adulto que dirá um jovem em formação o qual voltará para o seio da sociedade (com a diferencial de ter passado por um centro de especialização na “arte” do crime).
Ao longo da evolução do homem e mesmo da sociedade, o Estado assumiu para si grande parcela de responsabilidade no desenvolvimento econômico e social da sociedade contemporânea, ainda mais em uma sociedade desigual como a brasileira, onde a pobreza e a marginalidade atingem níveis alarmantes.
Como bem observa Luis Cláudio Senna Consentino no seu artigo sobre a teoria da co-culpabilidade de Zaffaroni, o Estado brasileiro, tal como configurado na Constituição Federal de 1988, apresenta claras feições de um Estado Democrático e Social de Direito, razão pela qual possui o dever de não só apoiar o desenvolvimento econômico e social mas também de promovê-lo, sendo um importante gerador de oportunidades para grande parcela da população, devendo distribuir os direitos fundamentais de forma harmônica entre as pessoas (justiça social), uma vez posto que o Estado que não se preocupa com políticas sociais efetivas de inclusão, investindo em ensino, saúde, saneamento básico, moradia, criação de novos postos de trabalho, é por demais omisso, menosprezando um dever constitucional, tornando-se, portanto, ao menos em tese, responsável pelas conseqüências.
O que não esta sendo considerado nas inúmeras manifestações, entretanto, é o próprio sistema penitenciário brasileiro e sua incompatibilidade com o seu objetivo de ressocializar os presos, isso em virtude da não observância dos dispositivos da Lei de Execução Penal e da CRFB/88.
Por outro lado, o ciclo de violência, como muitos tem apregoado, não se dá em virtude da sensação de impunidade por parte do infrator. Até porque, a bem da verdade, os crimes que restam impunes em nossa sociedade são, em sua maioria, aqueles praticados por uma singela parcela dos criminosos... são os crimes cometidos por pessoas de grande poder aquisitivo ou com grande influencia nas esferas de poder, aqueles que possuem condições de arcar com os grandes custos de renomados operadores do direito e de estratagemas escusos.
O pobre, negro, morador da periferia nem sonha com isso, já que quando comete um delito, independentemente do potencial ofensivo deste, se depara com um Estado opressor e “eficiente”, que tolhe direitos fundamentais, mantendo-os presos sem direito à ampla defesa e ao contraditório. Duvida? Vá ao Pomeri, vá ao Pascoal Ramos e procure saber quais foram os crimes cometidos pela esmagadora maioria dos que ali estão. Aproveite e busque vislumbrar qual será o resultado da “ressocialização” nesses espaços praticado.
Nesse sentido, mas agora com um enfoque nos menores os quais poderiam ser atingidos pela questão da diminuição da maioridade penal, quem vocês acham que irão ser presos e punidos? E me digam se eles sairão desses espaços arrependidos, reeducados, prontos para coabitar os mesmos espaços que nós, ora indignados, frequentamos?
Enquanto a sociedade vaticina sobre a solução do problema para a violência materializada na diminuição da maioridade penal, a questão deixará de ser enfrentada de modo honesto, comprometido com a resolução do problema.
Comum por estas bandas, buscasse resolver o problema ignorando, fingindo desconhecer a origem do mal que, bem se sabe, reside, em sua esmagadora maioria, na omissão e responsabilidade do Estado, que não prestou como deveria prestar os serviços públicos essenciais como educação, saúde, lazer, segurança dentre outros aos jovens da periferia – que seriam os principais afetados pela diminuição da maioridade penal – tal como garante o texto de nossa Constituição.
Concluo esse apanhado de ideias afirmando que entendo ser necessário, primeiramente, o preenchimento das lacunas do processo de ressocialização e a efetivação de políticas públicas que busquem a implementação de uma igualdade material (ou o mais próximo disso) para só então colocarmos a questão da idade como ponto de discussão.


“Do ponto de vista teórico, sempre defendi que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.” (Noberto Bobbio).

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